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Renegociação de contratos de locação: o que muda na pandemia?

renegociação de contratos de locação - pessoa assinando contrato em uma mesa

Os contratos de locação consistem em relações jurídicas de cunho estritamente civil, em que a autonomia da vontade e a decisão das partes é o que prepondera, sem a interferência do Estado.

A máxima de que “o contrato faz lei entre as partes” decorre essencialmente dessa vinculação obrigacional que se estabelece entre os envolvidos, afastando, inclusive, regras dispositivas do direito civil material e também processual (arts. 190 e 191, do CPC/2015).

Diante desse rigor das cláusulas, a renegociação de um contrato locativo depende de inúmeros fatores, os quais se tornam ainda mais específicos em tempos de pandemia, como tratamos abaixo.

O que é renegociação dos contratos de locação

Em regra, os contratos (inclusive os de locação) nascem para ser cumpridos na forma originalmente ajustada. A forma mais pacífica de extinção de um pacto, para ambos os contratantes, é através do pagamento, ou seja, quando todas as obrigações nele acordadas foram cumpridas por ambas as partes.

Entretanto, há circunstâncias em que é necessária a flexibilização das cláusulas para viabilizar a continuidade do pacto. No contrato de locação, em específico, não é interessante para nenhum dos envolvidos (locador e locatário) interrompê-lo, ainda mais em meio a um caos sanitário.

A renegociação desse tipo de contrato, portanto, ocorre com o objetivo de preservar a relação jurídica, mediante concessões recíprocas, sempre pautadas pela boa-fé, lealdade e cooperação que todo contratante deve guardar antes, durante e depois da contratação e execução do negócio jurídico (art. 422, do Código Civil).

Quebras de contratos de locação durante a pandemia

O setor imobiliário representa grande parcela da movimentação do mercado financeiro, ditando regras de precificação e influenciando indexadores.

Após a deflagração da pandemia da COVID-19 (março e abril/2020), inúmeros contratos de locação foram inadimplidos, especialmente locações comerciais contratadas por empresas cujo desenvolvimento do objeto social dependia do público nas ruas.

Os proprietários de imóveis, por também estarem receosos com os desdobramentos da pandemia, não abriram mão, de imediato, das benesses que o contrato de locação lhes assegurava, como pagamento do aluguel ou mesmo as garantias locatícias.

Esse impasse desaguou no Poder Judiciário, o qual sinalizou pela possibilidade de se equilibrar as condições dos contratantes em casos excepcionais para salvaguardar a continuidade do pacto, porém, sem a fundo adentrar no conteúdo obrigacional, dado o caráter estritamente privado do negócio jurídico.

O que muda em contratos de locação comercial na pandemia

A pandemia causou efeitos nefastos nas relações contratuais, incluindo os pactos de locação comercial.

Muitas pessoas tiveram seus rendimentos reduzidos ou mesmo perderam seus empregos, enquanto as empresas, obrigadas a lacrar seus estabelecimentos, estavam diante da desconfortável encruzilhada entre angariar recursos para honrar com o pagamento dos aluguéis ou aceitar a perda do ponto e ainda aguentar as multas e encargos advindos da rescisão antecipada do contrato.

Houve quem se socorreu ao Poder Judiciário, o qual, diante das normas do direito civil, pouco pôde fazer. 

Essa conjuntura fez com que as empresas dependessem muito mais da renegociação de seus contratos de locação comercial do que de um pronunciamento judicial. Quem buscou assessoria jurídica, pôde se utilizar de melhores técnicas de negociação e dos recursos disponíveis para persuadir o locador e obter sucesso (como a redução temporária e parcial dos aluguéis, por exemplo).

Impactos da pandemia na renegociação de contratos de locação

Dificilmente algum setor passará ileso pela pandemia da COVID-19.

A maior causa de inadimplência de aluguéis decorrente da propagação do novo coronavírus foi o aumento da taxa de desemprego em território nacional, que atingiu 14,4% dos brasileiros, conforme pesquisa elaborada pelo IBGE, cujos dados foram publicados em 27.11.2020.

Essa recessão econômica também afetou os contratos de locações comerciais, eis que empresas (micro e pequenos empreendedores, em especial) foram obrigadas, literalmente de um dia para o outro, a fechar suas portas.

Nesses casos, as alternativas aos locatários são restritas: tratar diretamente com o locador ou acioná-lo judicialmente.

Como fazer a renegociação de contratos de locação

O art. 18, da Lei de Locações, prevê a possibilidade de os contratantes, mediante mútuo acordo,  fixar um novo montante a título de aluguel ou inserir cláusula de reajuste temporário do valor originalmente pactuado.

Uma boa estratégia que as partes podem utilizar é condicionar o reajuste à prorrogação do prazo de locação. Assim, o locador, em um primeiro momento, abriria mão de parte do aluguel mensal, porém, teria assegurada a continuidade do contrato por mais tempo.

Acordos para desconto de pontualidade também são boas ferramentas de renegociações, oportunizando ao locatário manter seu ponto comercial e assegurando ao locador o recebimento do aluguel, ainda que em importe menor, mas à vista e pontualmente.

Outra técnica de negociação se concentra no oferecimento de garantias. A empresa locatária que detém crédito e se estruturou para a retomada econômica pós-pandemia tem condições de barganhar a dilação de prazos para pagamento de seus aluguéis e, nesse contexto, precisará apenas de tempo para virar o jogo e normalizar seu empreendimento.

O congelamento do reajuste durante o período de pandemia igualmente se trata de ponto importante a ser ponderado em uma mesa de negociações.

Em última análise, caso a empresa locatária não logre êxito nas investidas extrajudiciais, pode judicialmente invocar a cláusula rebus sic stantibus, prevista no artigo 317, do Código Civil, combinada com a interpretação do artigo 393, também do Código Civil, argumentando a excepcionalidade do caso; o desequilíbrio abrupto a que os contratantes foram submetidos pela implosão da pandemia; a profunda alteração do status quo; a ausência de culpa pelo evento que deu causa à inadimplência, bem como as infrutíferas tentativas de acordo com o locador.

Você deve ter percebido que implementar táticas de renegociação diretamente com o locador podem ser muito mais efetivas do que a propositura de qualquer ação judicial, até porque, ao tomar a decisão de ajuizamento de uma ação, o locatário fatalmente entra em conflito com o locador, o que normalmente restringe ainda mais a possibilidade de composição amigável.

Quando pedir a renegociação de contratos de locação

Não existe um momento certo para se abrir uma renegociação. Porém, negociar apenas por negociar a todo instante não vai ajudar em nada. Pelo contrário, essa postura mina o poder de barganha do proponente/locatário, a ponto de as próximas tentativas de repactuação nem mesmo serem levadas a sério pelo locador.

O que se deve ter em pauta para se postular uma renegociação são bons argumentos e fundamentos, que justifiquem a necessidade de alteração das cláusulas do contrato de locação, de modo a convencer o locador de que é a melhor maneira para que o prejuízo de ambos os envolvidos seja o menor possível.

Perceba, também não é interessante para o locador que ocorra a interrupção do contrato de locação. O imóvel locado, nessas circunstâncias, ficará desocupado e, dependendo do contexto, o aluguel que cobraria de seu antigo inquilino, já com a concessão de desconto, poderia representar um valor maior do que aquele que conseguiria expondo-o novamente para locação.

Dada a crise que assola o país, uma pequena parcela de pessoas tem condições de arcar com o valor de um aluguel não adaptado a tal realidade. Mais do que isso, possivelmente seja muito árduo para o locador encontrar um locatário que, além de aceitar o valor pedido, forneça garantias locatícias idôneas de pagamento.

Atente-se que não é somente o locatário que se encontra em uma posição vulnerável, o locador também deve ter cautela e não ser irredutível. 

O momento para pedir renegociação, portanto, é quando se verificar a soma de todos esses fatores, evitando-se contatos meramente especulativos.

Prazos de renegociação de contratos de locação

Exatamente por se tratar de um contrato particular, de execução continuada, a renegociação pode se dar a qualquer instante, por mútuo acordo.

É claro que o locatário (seja pessoa física ou jurídica) deve ter a percepção do momento em que efetivamente precisa postular diretamente com o locador uma revisão contratual e, para isso, deve munir-se de bons argumentos e provas sobre a necessidade de reajuste de aluguel ou de qualquer modificação do contrato.

Pense no exemplo de uma microempresa transportadora que tem como patrimônio um único caminhão, que está atrelado como garantia ao contrato de locação comercial, onde está sediado seu escritório. É muito provável que, para obter linhas de crédito bancário e conseguir continuar operando durante a pandemia, também lhe sejam exigidas garantia idôneas, livres e desembaraçadas. 

Nessa hipótese, a negociação com locador poderia se concentrar não no reajuste do aluguel, mas sim na liberação temporária do cargueiro como garantia para vinculá-lo à operação bancária. A empresa continuaria operando e o aluguel continuaria sendo pago.

Note, a renegociação de contratos de locação não se destina apenas a reduzir o montante líquido pago pelo locatário a título de aluguel. Outros fatores podem ser objeto dessa renegociação e o resultado disso pode ser crucial para se obter reduções de despesas ou mesmo viabilizar dilações de prazo ou o congelamento da correção monetária.

A recomendação, sempre, é que o locatário se valha de orientação jurídica, mesmo porque muitas vezes só não encontram a melhor forma de operacionalizar uma composição, mesmo ela existindo.

Obrigações ao renegociar contratos de locação

Uma vez estabelecida a revisão de um contrato de locação, cabe ao locatário cumpri-la integralmente, haja vista que é muito comum que o locador aumente, por exemplo, a multa contratual em caso de inadimplência. O locador pode, ainda, exigir a prorrogação do contrato e o aumento das garantias locatícias como moeda de troca pela repactuação do valor do aluguel.

O certo é que, uma vez descumpridos os termos da renegociação, o locatário dificilmente conseguirá uma nova negociação com o locador, ante a quebra de confiança.

Daí se extrai a importância de o locatário contratar assessoria jurídica antes dar início às tratativas, principalmente porque, com essa orientação, terá conhecimento amplo de todos os benefícios de uma repactuação, dos termos em que ela poderá ser celebrada e também das consequências e penalidades em caso de descumprimento.

Como manter a segurança ao renegociar contratos de locação

Ao locador cabe exigir as conhecidas garantias de locação (fidejussórias, como a presença de fiador ou seguro-fiança, ou reais, gravando bens). Ele é quem está, em tese, dando as cartas (ainda mais em uma crise de pandemia), então lhe cabe contratar requerendo as garantias que entender pertinentes.

Quanto ao locatário, o melhor meio de se assegurar é, antes de iniciar qualquer tratativa, estar ciente da dimensão das obrigações que pode assumir em uma renegociação.

O locatário deve estar atento para que a renegociação atinja somente as cláusulas que, de fato, devem ser revisadas, avaliando, por exemplo, se o aumento de cláusula penal, eventualmente exigido pelo locador, é viável; se a possível prorrogação de contrato converge com seus interesses (pessoais ou empresariais); se as garantias prestadas podem efetivamente estar vinculadas até o término previsto do contrato, bem como pormenorizar as demais particularidades da negociação. 

Com isso definido, a repactuação deve necessariamente ser reduzida a termo ( a alteração do conteúdo contratual deve ser documentada), o que conferirá ao locatário segurança jurídica para cumprir o pacto de acordo com as novas regras ajustadas.

Aqui, novamente, a assessoria jurídica é a maior aliada de ambos os contratantes.

A participação do fiador na renegociação de contratos

A fiança é uma das garantias mais utilizadas nos contratos de locação.

Você com certeza já percebeu o quão comum é o locador ou as imobiliárias exigirem um fiador proprietário de, pelo menos, um imóvel. Isso ocorre porque, caso o locatário não cumpra com as obrigações do contrato de locação, o locador poderá direcionar a cobrança/execução também ao fiador.

O fiador, a seu turno, não poderá arguir a impenhorabilidade de seu imóvel para não pagar a dívida, ante a vedação do art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/90. Observe que essa é uma das restritas hipóteses legais em que o executado em ação judicial não pode suscitar a aludida impenhorabilidade. 

Nesses casos, o fiador está em uma posição de sujeição, porque responde pela dívida de seu afiançado com todo seu patrimônio, incluindo seu bem de família.

É importante destacar, no entanto, o recente posicionamento da Ministra Carmen Lúcia, no julgamento do RE n. 1.296.835 (voto datado de 25.01.2021). A Ministra Relatora reconheceu que a impenhorabilidade do bem de família se estende às fianças de locação comercial. 

Isso alerta os locadores desse segmento (locação comercial) a cercarem-se de outras garantias que não sejam necessariamente a presença de um fiador, como corriqueiramente ocorria.

De todo o modo, o fiador, pelas exigências do locador, pode ser a figura determinante para fechamento (ou renegociação de um contrato de locação), o qual, contudo, deve estar igualmente ciente das consequências que pode sofrer em caso de inadimplência do locatário/afiançado.

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